As pirações de Pedro – Capítulo 1: A grande mancada

Publicado: 25 de agosto de 2023 em Novelas, Pirações de Pedro
Tags:, , , ,



Eu estava esperando o maldito ônibus elétrico para ir encontrar o pessoal no shopping quando vi a Gláucia do outro lado da rua, saindo da casa dela com aquela menina que tinha me apresentado outro dia. Estavam carregando algumas malas e iam entrar na garagem da casa quando me viram. Acenaram simpaticamente e atravessei a rua correndo na primeira oportunidade. Vendo aquelas malas, resolvi dar uma de engraçadinho e soltei, todo irônico:

– Estão indo viajar, é?

As duas trocam olhares e Gláucia respondeu:

– Na verdade só a Camila. Ela vai voltar pra cidade dela.

A surpresa da notícia deve ter ficado mais do que evidente na minha cara, já que a Camila confirmou:

– Na verdade eu sou de Lençóis Paulista. Vim só passar uns dias aqui. Vou embora hoje, mas volto assim que der, tá?

Eu ainda estava digerindo toda a informação. Ela morar no interior não era o problema em si, mas sim o modo como eu havia eu agido quando as duas foram me visitar em casa há quase uma semana…


*************************

Eu estava jogando videogame, mas a real é que eu estava esperando o Gordo e o Caolho iam passarem em casa pra gente ir na locadora renovar o aluguel de “Secret of Mana II”. Estávamos quase acabando e íamos fazer nosso bom e velho esquema de revezamento para ganhar o máximo de level possível antes de chegar na parte final. Era muito simples: cada um ficava uma hora enfrentando monstros aleatórios enquanto os outros fariam o que bem entendessem: jogar algo no computador, comer, ler algum gibi, ver TV no quarto ou até mesmo dormir. Quando finalmente a gente atingia o level máximo, tirava no “2 ou 1” quem teria a honra de matar o chefe final (se bem que quase sempre isso acabava a cargo do dono do videogame, no caso, o Gordo ou o Caolho).

Pois bem, estava eu passando o tempo quando a campanhia tocou. Desliguei o videogame e já abri a porta pensando em como eu ia zoar os dois quando me deparo com a Gláucia e uma menina que nunca vi na vida. A Gláucia tinha feito primeira comunhão comigo, depois estudamos no mesmo colégio, nossas famílias acabaram ficando amigas e ainda morávamos perto um do outro, portanto nos víamos direto. E ela ainda era perdidamente apaixonada pelo meu primo (na verdade, boa parte das meninas da 8ª série eram), mas nunca tinha rolado nada.

– Oi. – ela disse com uma estranha empolgação. – Essa aqui é Camila. Ela queria saber mais sobre RPG, eu disse que você era a pessoa mais do que certa pra isso e resolvemos vir aqui!

Já fazia um certo tempo que quando o assunto era RPG eu era “a pessoa” quem você deveria procurar na galera. Talvez tenha sido o fato de eu ter apresentado o jogo para a maioria do pessoal. Talvez fosse o fato de eu sempre jogar como mestre. Mas a real era que SEMPRE que queriam ensinar este jogo pra alguém me procuravam, o que de certa forma era legal. Quem não quer ser bom em alguma coisa? Que fosse no RPG então.

A tal de Camila era no mínimo interessante. Cabelos ruivos (pareciam tingidos), mais ou menos do meu tamanho, magra, bonitinha. Estava com o livro “Vampiro: a Máscara” nas mãos. Seu olhar trazia um misto de ansiedade e timidez. Mas aí me lembrei do meu tão esperado compromisso.

– Poutz… – comecei meio sem graça. – Ia ser uma honra, mesmo. Mas estou esperando dois amigos meus para irmos na locadora. Não podemos marcar outro dia?

– Tudo bem. – a Gláucia respondeu de sopetão. – A gente liga outro dia.

As duas então foram e fiquei me xingando mentalmente por ter desligado o videogame enquanto voltava para o quarto.


*********************

Agora estava eu totalmente sem graça por não ter procurado as meninas depois desse dia. Criei coragem e disse para Camila:

– Nossa, desculpas mesmo. Eu não sabia que você era de fora. Tô me sentindo péssimo.

Mas parece que as duas estavam achando graça eu estar desse jeito. O pai da Gláucia apareceu e me cumprimentou antes de entrar no carro. Gláucia disse:

– A gente não te procurou também depois daquele dia, né? E a Camila quer voltar logo, então não fica desse jeito. Agora ela tem que ir ou fica tarde pra pegar o ônibus.

As duas se despediram e assim que me preparo para voltar para o ponto, vejo o ônibus passando. Saco, deve ser castigo divino.

**************************************

– Porra, mas cê é burro pra caralho, hein?

As delicadas palavras do Gordo seguidas pela sarcástica risada do Caolho ao ouvirem meu relato quando encontrei os dois no shopping não me fizeram sentir nem um pouco melhor com a situação. Ele continuou:

– A mina vem… Vem de onde mesmo?

– Lençóis Paulista. – respondi, suspirando.

– Onde fica isso? – o Caolho perguntou.

Dei de ombros:

– Não sei. Pra mim esta cidade não existia até hoje.

– Bom, foda-se. – continuou o Gordo. – O lance é que a mina veio de um lugar onde ela deve ser a única que conhece o jogo, ouviu a amiga dela falando DO CARA QUE MANJA DE RPG e ele dispensa pra jogar videogame com dois outros caras!  Nossa, sem palavras pra você, sério.

– Duvido que quando ela vier pra cá de novo te procure, na boa. – decretou Caolho.

– Qualé a de vocês? – retruquei, ligeiramente alterado. – Eu sei que dei a maior mancada, cês não precisam ficar jogando isso na minha cara desse jeito! Como se todo mundo aqui fosse expert em lidar com mulheres, né?

Caminhamos então os três em direção ao cinema em silêncio. Provavelmente esse meu último comentário deve ter mexido com os dois. Cheguei a pensar se essa revolta toda deles com o que houve não era porque finalmente um de nós poderia se dar bem em algo que não fosse na quadra da escola e nem nos bailinhos de garagem, onde éramos um fracasso. Afinal, eram três nerds encalhados e sem perspectiva nenhuma de sequer beijar alguma garota despontando no horizonte…

Deixe um comentário